Chris J. Laurent — 20 anosEu não aguentava mais.
Essas últimas semanas têm sido as piores possíveis para mim. Eu realmente não sabia o que estava acontecendo comigo, mas eu sentia que simplesmente não tinha motivos para continuar. Eu não conseguia mais me alimentar corretamente, não ia para a escola e só conseguia ficar em minha cama deitado, chorando ou pensando no quão inútil eu tinha me tornado. Para piorar, minha mãe vivia brigando comigo e ajudando a jogar na cara que eu não sirvo para nada. Eu imaginava que talvez fosse por causa de uma decaída no meu transtorno ou quem sabe minha depressão estivesse voltando, mas eu estava decidido a continuar vivo.
Estava.
Me encontrava deitado em minha cama, como sempre, quando minha mãe adentrou meu quarto.
— Garoto, sai dessa cama. Você precisa ir comer alguma coisa. Pare de bancar o depressivo e crie vergonha na cara — Ela disse, parando em frente à minha cama. Eu me sentei e a encarei. Não queria brigar com ela agora, não estava em condições disso.
— Mãe... Por favor... Eu não estou com vontade. — Pedi, desviando o olhar. Ela suspirou, parecia estar com raiva de mim.
— Mas que droga, hein? O que está acontecendo agora com você? Vai tentar se matar de novo? — Ela perguntava. Eu não conseguia responder, mas era justamente isso que eu estava pensando mesmo.
— Realmente, você deveria morrer mesmo. Você é um mal agradecido, Chris. Tem uma ótima família, uma casa gigante, nós te pagamos uma boa escola, e você ainda vem com essa de depressivo? Você precisa apanhar, isso sim. — É realmente ótimo ouvir isso da sua mãe.
— Eu vou descer e em menos de cinco minutos te quero naquela sala. Eu juro, se não for, eu vou chamar seu pai aqui e o negócio vai ser um pouco diferente. — Ela se virou então e caminhou para fora do meu quarto, batendo a porta com força, mas ainda sim eu pude ouvir sua última frase.
— Você deveria ter morrido no lugar do seu irmão. Ele não seria tão ingrato e não traria tanta vergonha pra essa família.Aquilo foi o fim pra mim. Já não basta conviver com a constante culpa do seu irmão ter morrido por sua causa, agora ouvir isso? Sua mãe lhe desejando a morte?
Se é isso que ela tanto quer..Me levantei e fui até a escrivaninha. Peguei a primeira folha de papel que encontrei e uma caneta. Se eu estava prestes a acabar com tudo, eu pelo menos deveria deixar algo para a única pessoa que acreditou em mim. A cada palavra que escrevia eu sentia um certo aperto no coração. Eu juro, eu não queria deixá-lo. Mas tem horas que você tem que dar um fim nisso.
Terminei de escrever e dobrei o papel, deixando-o em cima da minha escrivaninha. Depois, me levantei e caminhei até o banheiro do meu quarto. Deixei a banheira encher enquanto pegava alguns vidros de remédio e um estilete que encontrei num dos meus estojos.
De certa forma, eu me sentia feliz. Feliz por estar finalmente acabando com aquilo, feliz por finalmente poder me livrar de todo o ódio que meus pais sentiam por mim. Era como se eu estivesse pagando uma dívida com eles. Eu me sentia bem por isso.
Por outro lado, o fato de estar abandonando Josh de tal forma, sem ao menos dizer um último "eu te amo" me fazia ficar mal. Eu não podia morrer sem isso.
Peguei meu celular e digitei uma mensagem para ele. Talvez ele entendesse o que eu queria dizer com ela, mas talvez ele só realmente se ligasse quando soubesse que eu estava morto.
"Independente do que acontecer, eu te amo."Enviei a mensagem tentando ao máximo não chorar. Agora eu precisava ser rápido antes que alguém viesse para o meu quarto e novamente me impedisse. Retirei meus sapatos e entrei na banheira, sem me importar se iria molhar minhas roupas ou não. Despejei diversos comprimidos na minha mão e os tomei de uma vez, mas ainda sim não era o final. Talvez eles não me matassem de imediato. Joguei o pote do lado da banheira e levantei a manga da minha camiseta, já totalmente molhada e coloquei o estilete em direção ao meu pulso. Hesitei por um momento, fechando os olhos e respirando fundo. Um pequeno medo me fazia querer parar.
Tudo isso vai acabar..E com esse pensamento, cortei toda a extensão do meu pulso na vertical. O sangue começou a escorrer do meu braço para a lateral da banheira, deixando a água numa coloração avermelhada. Logo minha visão começou a escurecer, cada vez mais, até que enfim, nenhum sinal de pulsação tivesse no meu corpo. Eu estava morto.
Hey, Josh.
Esta provavelmente é a última vez que estou me comunicando com você. Não pense que estarei brigando ou te culpando pelo que fiz, muito pelo contrário. Eu só estou escrevendo isso para te mostrar nossa trajetória no meu ponto de vista, do nosso início até o fim.
Nos conhecemos no primeiro dia de aula, naquela aula de educação física. Enquanto eu me escondia para que ninguém me visse e me acertasse, você ia logo para o meio do jogo. Confesso que não tinha te reparado muito até o momento em que eu tropecei em meu próprio pé e fui de cara pro chão. Enquanto todos riam do garoto idiota que conseguia provocar o próprio tombo, você estava lá para me ajudar. Aliás, me desculpe por mal ter dito obrigado; eu estava me sentindo um pouco envergonhado e irritado por ter caído. Acho que já sabe que não sou uma das pessoas mais simpáticas do mundo quando estou bravo.
Então você foi queimado e quis arrumar briga com o cara. Eu, obviamente, me retirei de perto e voltei ao jogo como se nada tivesse acontecido. Quer dizer, eu quis voltar. Graças à sua gigantesca vontade de se vingar acabei levando um belo curativo no joelho, já que o cara se desviou e quem se deu mal, mais uma vez, acabou sendo eu. Já era de se esperar.
Mas eu não acho ruim o fato de ter sido acertado por você. Aliás, se eu pudesse escolher qualquer pessoa para me acertar a bola, eu escolheria você.
Enfim, você me levou à enfermaria. Eu juro, eu queria te matar. Além da vergonha que passei caindo duas vezes, ainda sai com um joelho ralado. Acho que aqui eu devo me desculpar pela segunda vez pela minha grosseria na enfermaria. Como já disse, estava irritado. Eu estava, você não. E foi aí que tudo começou.
Depois de longas conversas, nossa amizade foi fluindo. Não te contei nada sobre meus problemas naquela época porque realmente fiquei com medo de que saísse correndo ou nunca mais falasse comigo, você era a única pessoa que eu tinha. Ainda bem que mesmo depois que contei você permaneceu do meu lado, sorrindo para mim e me fazendo a pessoa mais feliz do mundo.
Até que um dia a escola resolveu dar uma festa. Enquanto todos se divertiam lá, nós dois fomos para o cinema. Me lembro de cada susto, cada vez que agarrei seu braço e quis me encolher perto de você por causa do medo daquele filme que eu nunca mais quis assistir de novo. Depois, você me levou à praia, e lá foi onde tudo se tornou mais sério. Você me beijou, e era como se todo meu mundo parasse. Eu nunca amei ninguém como amei você, Josh, acredite em mim. No momento em que disse que gostava de mim, eu senti como se minha sorte estivesse mudando. Eu senti que finalmente poderia construir um futuro do lado de alguém, e acho que sentiu isso também.
Não vou mentir, eu tinha feito planos para nós. Poderíamos nos casar, não é mesmo? Poderíamos ter tido nossa própria casa, então construiríamos nossa própria família. Adotaríamos duas crianças, uma garota e um garoto. Sei que nunca fui uma pessoa muito chegada em crianças, mas eu estava disposto a ser um pai se você estivesse comigo. Também poderíamos ter um gato Sphynx, por que não? Sempre achei engraçadinha essa raça. Eu nunca soube se você preferia gatos ou cachorros, mas se gostasse de cães, poderíamos ter um também. Seríamos a família perfeita. Seríamos.
Mas eu sou egoísta. Eu sempre fui. Eu só penso em mim mesmo e acabo me esquecendo que posso magoar os outros.
A vida é um pouco traiçoeira. Quando você pensa que está tudo bem, que tudo está perfeito, você acaba abaixando a guarda e ela te ataca. Isso acontece com todo mundo, já estamos programados a cair. Óbvio que comigo não iria ser diferente. O problema é que eu já estou cansado de não conseguir me levantar.
Cresci dentro de uma família que não gostava de mim. Eu era um garoto problemático, talvez ainda seja, eu não sei. Fui internado em hospitais para pessoas com problemas, fui mandado para psicólogos e psiquiatras. Uma parte disso, é claro, foi sim por causa dos meus transtornos. Mas eu não fui em todos esses médicos só por causa disso.Minha mãe, ela que queria isso. Ela me queria longe. Ela queria que eu fosse curado, mas não dos meus transtornos, e sim me curar do que eu era. Ela não aceitava ter um filho gay, onde já se viu, a importante senhora Laurent com um filho que é uma aberração? Você sabe o que é, todo dia, ter que ouvir da sua mãe que queria que você tivesse morrido no lugar do seu irmão? Isso dói, Josh. Eu tentei, eu juro que tentei fazer de tudo para que isso parasse de me atingir, mas simplesmente não consigo.
Creio que tenha notado que nesses últimos dias eu acabei me tornando mais afastado de você, mais frio. Não pense que o problema era com você, nunca. Eu apenas... comecei a enxergar as coisas de outra maneira. Não sei quando isso realmente aconteceu, quando eu comecei a querer viver minha vida sozinho. Eu apenas me sentia bem com a solidão. Talvez minha depressão estivesse voltando, talvez fosse meu transtorno que estava piorando. De qualquer jeito, eu não me importava mais com nada. Eu comecei a ficar cada vez mais sozinho e na minha cabeça, comecei a pensar nas minhas atitudes e nas atitudes das pessoas. Eu chorava toda noite, não me alimentava mais direito. Fora de casa, falar que estava bem já era um costume, eu era tão profissional em dar um sorriso falso que todos acreditavam, mas não era verdade. Por dentro, estava clamando por socorro, implorando que alguém me salvasse, me salvasse de mim mesmo, mas ainda sim preferia guardar isso para mim. A verdade é que todos nós iremos morrer sozinhos. Por isso, eu preferi começar a me preparar para esta logo cedo. Suicídio muitas vezes pode não ser a resposta, mas para mim era a única saída.
Eu realmente não sei qual será sua reação ao ser avisado que fui encontrado morto dentro de casa, ou quando estiver lendo esta carta, mas peço que por favor, não fique triste. Nem mesmo agora, que estou sentado nessa mesa, escrevendo esta carta nos meus últimos minutos de vida, estou triste. Sabe por que? Porque eu estou me lembrando do seu sorriso que sempre fez meus dias nublados se tornarem ensolarados. Você sempre foi a razão de ter forças para seguir em frente, mas agora eu vejo que realmente estou no meu limite.
Isto ficou longo, eu sei. Mas espero que chegue até aqui para poder saber que eu sempre, sempre te amei, e não é porque me matei que deixei de sentir algo por você. Espero que pense o mesmo de mim.
Isto não é uma carta de término, é uma carta de adeus.
Com amor,
Chris J. Laurent.